sábado, 26 de dezembro de 2009

Dia de Natal

Li no blogue "Outra Margem" e não resisto a transcrever, dada a actualidade e fino sentido da realidade:
.

Dia de Natal
.
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
.
É dia de pensar nos outros - os coitadinhos - os que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
.
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.
.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
.
Ah!!!!!!!!!!
.
Na branca macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de sonhos e venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
António Gedeão

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O Presépio de Ílhavo

Nesta época é já tradição que as terras onde o Natal ainda tem uma conotação religiosa exibam no seu centro cívico um presépio, enquanto aquelas onde a conotação festiva já é mais comercial e consumista se preocupam em apresentar a árvore de Natal, o mais sumptuosa possível.

No centro de Ílhavo fui agradavelmente surpreendido com uma representação muito particular do Presépio. É de forma estilizada e totalmente construído com sucata.

Talvez seja o mais próximo da ideia franciscana original.

Ninguém conhecendo as verdadeiras feições de Maria, de José e do Menino, talvez a forma estilizada seja a que menos enviesa a mensagem.

Por outro lado, nada melhor para representar o nascimento de um Jesus que quis ser humilde entre os humildes que a sucata, ao contrário de outras representações sumptuosas e mais indicadas para o nascimento de qualquer imperador.

Estão de parabéns quem teve a ideia e quem a pôs em prática.

FELIZ NATAL para todos.

sábado, 21 de novembro de 2009

Os jovens do 1.º - A

No ano de 1956 entraram para o 1.º ano, turma A, do Liceu Alexandre Herculano, no Porto, 39 miúdos de 10 anos, entre os quais me incluo.

Seguiram os seus estudos e as mais diversas opções profissionais e nos mais diversos lugares do mundo. Passados muitos anos, um encontra outro, procuram-se antigos colegas e reúne-se toda a gente encontrável num almoço. Os almoços vão-se repetindo com frequências tendencialmente anuais e hoje foi o mais recente.

Recordam-se peripécias, professores, colegas e até já houve uma pequena recriação dos jogos da "laranjinha". Só faltou a corrida de "Dinky Toys" na visita ao velho liceu no ano do centenário! Essencialmente são momentos de boa disposição em que parece que todos recuámos 53 anos e voltámos à juventude.

Infelizmente, há 9 que não mais voltarão. Não morreram porque só morre quem é esquecido...

Um grande abraço para os que voltam e também para os outros.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O triste exemplo da France Telecom

Nos últimos dias fomos surpreendidos com a notícia de 24 suicídios de trabalhadores da France Telecom em somente 18 meses. Também ouvimos testemunhos de trabalhadores a descreverem as incríveis medidas de "restruturação" da empresa, incluindo da boca do próprio gestor (?) de recursos humanos. Os trabalhadores mudam periodicamente de funções e de local de trabalho (dezenas ou centenas de quilómetros de distância), com aviso na véspera. Quem não aceitar é despedido!

O tal gestor (?) classifica os trabalhadores de malandragem que o que quer é boa vida.

Tenho a impressão de que já ouvi esta ladainha em qualquer lado...!

Como houve bronca na comunicação social, o tal senhor foi afastado das funções de gestor dos recursos humanos, mas não foi afastado do conselho de administração, o que demonstra que só cumpria a política da empresa.

Também por cá há casos semelhantes de insuportavel pressão sobre os trabalhadores que, se não se suicidam, morrem de enfartes e exaustão nas próprias instalações das empresas, esquecem compromissos familiares, andam horas à procura do carro estacionado... Infelizmente não são tão poucos casos como possa parecer!

Ora há quem chame a isto boa gestão em resposta às exigências de competitividade, necessidades de relançamento da economia, bla, bla, etc., etc..., utilizando a instabilidade do emprego como forma de pressão sobre os trabalhadores. Os negreiros usavam o chicote, mas esses eram umas bestas...

Eu chamo-lhe grossa asneira e passo a demonstrar, em face do que aprendi há 40 anos no Instituto Industrial do Porto, antecessor do ISEP, e da minha experiência profissional.

Estudava-se nessa época a disciplina de Organização Industrial, tendo como livro-base a "Introdução ao Estudo do Trabalho", da OIT.

Ensinava essse livro que, para uma empresa funcionar bem e ter boa produtividade, os trabalhadores deviam exercer as suas funções nas melhores condições ambientais possíveis, boa iluminação, cores agradáveis, posto de trabalho o mais cómodo possível em termos ergonómicos, se possível música ambiente, etc.

Para minorar a pressão da vida familiar, nos tempos do governo do prof. Marcelo Caetano, as grandes empresas (do chamado grupo A) eram obrigadas a ter creche para os filhos dos trabalhadores, cantinas e outros serviços sociais (o Estado não tinha...). As grandes plantações de chá de Moçambique, chegavam a ter escola, capela e pequeno hospital.

Qualquer pessoa que alguma vez tenha trabalhado sabe que, se o trabalho é executado nessas condições, pode até tornar-se num prazer e, não havendo fadiga, aumenta-se facilmente a produtividade. Não me parece necessário um MBA para saber isto...

Parece-me que com as teorias agora tão em voga, dizem que derivadas da globalização (tem as costas largas!), estamos em franco retrocesso social, só faltando que os negreiros voltem a usar o chicote.

Há que reagir, pois a culpa tanto é de quem executa essas políticas como de quem deixa - todos nós!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Uma ajudinha ao sr. primeiro-ministro (3) - O TGV

Entre as grandes confusões geradas pelas declarações dos senhores membros do governo e demais políticos do PS está o projecto TGV.

Todas as explicações dadas são óptimas razões para não se construir tal projecto. Parece que andam afanosamente a praticar o seu desporto preferido - o tiro no pé!

Ora vejamos o que se argumenta:
1 - Se os espanhóis têm, também nós temos de ter! Ora aqui está um argumento parolo, provinciano, saloio, bimbo. Um verdadeiro atentado à inteligência!
2 - Leva os passageiros em menos meia hora de Lisboa ao Porto e menos umas duas horas de Lisboa a Madrid, sendo complemento ao novo aeroporto. Também não é explicação inteligente para justificar tal encargo.

Vejamos agora o que deveria ter sido feito.

Deveria ter sido explicado às pessoas (a grande maioria leiga em matéria de economia de transportes) que, para aumentar a competitividade das nossas exportações, devemos utilizar todos os meios de transporte de modo sinérgico e complementar, sendo que, em termos terrestres, o ferroviário é o mais económico e ecológico.

Por outro lado, a nossa rede ferroviária, com mais de 100 anos, está superlotada e sem ligação para além de Espanha (enquanto tiver compatibilidade com Espanha), por diferença das bitolas (largura entre carris) com as restantes redes europeias.

As contas de superlotação, por exemplo da linha do Norte, são muito simples de fazer: a diferença de tempo mínima de segurança entre dois comboios é de 2 minutos, o que leva a que não possam passar num troço de via mais de 30 comboios por hora, o que daria, sem paragens, 720 comboios por dia. Ora, com todas as paragens dos ronceiros urbanos e regionais, já lá passam 600 comboios por dia. Mais é muito difícil!

A dr.ª Ana Paula Vitorino tentou explicar isto, mas depressa se calou. Se calhar foi repreendida por estar a tirar os pés da linha de tiro...

Visto haver vantagens na utilização do transporte ferroviário e estar demonstrada a sobrelotação das vias existentes, é óbvia a necessidade de construir novas vias para a circulação das mercadorias.

A construirem-se novas vias, claro que serão com ligação às redes europeias e visão nos comboios de alta velocidade do futuro e não para os ronceiros a vapor do sec. XIX.

É esta a grande questão! Se passa lá ou não o comboio de passageiros que leva uns senhores de Lisboa a ir tomar café ao Porto em menos meia hora é supérfluo e irrelevante.

domingo, 23 de agosto de 2009

Sacrossanta estupidez!

Acabo de ver no noticiário das 22 horas da RTP 2 uma reportagem sobre o lamentável desastre da queda de uma arriba no Algarve, onde se entrevistavam algumas pessoas espapaçadas debaixo de uma arriba, mesmo junto a um sinal triangular de perigo de queda de pedras, com o aviso "Perigo de queda de pedras" escrito em português, inglês e outra língua que agora não me recordo.

Perguntados sobre se não tinham consciência do perigo que corriam, um respondeu "Também era muito azar que fosse cair agora. Nós portugueses somos assim! Também nas estradas há sinais de perigo e nós passamos na mesma...". Outra afirmava "A responsabilidade não é minha. O governo é que deve impedir que nós aqui estejamos!"

Perante estas respostas, só se pode concluir que os portugueses não precisam de inimigos. São um povo suicida e que gosta de chicote nas costas para andar direitinho na manada.

Claro que não me admira ver amanhã as mesmas pessoas queixarem-se de excessos de zelo da polícia, dos radares-armadilha, das câmaras de vigilância e outros atropelos à liberdade individual. A verdade é que não merecem outra coisa.

Espero que não representem a maioria do nosso povo, mas uma minoria aberrante.

Eu não me sinto representado!

sábado, 1 de agosto de 2009

Uma ajudinha ao sr. primeiro-ministro (2) - Saúde

Como prometido, cá vai uma ajudinha para perceber o que correu mal relativamente à saúde.

Neste caso temos duas situações principais, não falando dos casos dos médicos e enfermeiros enquanto funcionários, já tratados no post anterior: as maternidades e as urgências.

Desde já devo dizer que concordo com o encerramento de serviços sem condições e sem casuística que justifique a sua existência. O problema foi o método...

No caso das maternidades, nomeou-se uma comissão científica, como é de bom tom, que produziu um estudo onde se propunham as maternidades a encerrar e a manter-se, responsabilizando-se estas pelo trabalho das encerradas.

Acontece que, não pondo em causa o valor científico dos senhores professores doutores membros da comissão, falta ao trabalho uma característica fundamental para ser científico - não é repetível!
No trabalho não se discriminam as condições de cada maternidade, uma a uma, para se concluir estar ou não dentro dos parâmetros exigidos. Foi-se simplesmente pela casuística e localização, que se confundiu com qualidade, omitindo todo o resto.
Chegou-se ao facto incrível e ridículo de o sr. ministro entregar ao Serviço de Obstetrícia de um hospital o Prémio Educação 2005/06 pelo projecto Preparação Parental para o Nascimento e, no dia seguinte, o mesmo sr. ministro encerrar o mesmo serviço por, com base no tal trabalho "científico", não ter qualidade.
Esse serviço, que tinha laboratório permanente 2 pisos abaixo, bloco operatório na porta em frente e equipas de anestesia e cirurgia permanentemente disponíveis, encerrou. Ficou aberta uma maternidade, na capital de distrito, sem laboratório e sem equipa cirúrgica permanente.

Se houvesse a frontalidade de dizer que, em face da casuística, a análise custo-benefício era desfavorável à manutenção do funcionamento, toda a gente perceberia.
Se um restaurante com cerca de 30 trabalhadores só servir uma refeição por dia, toda a gente percebe que é insustentável e terá de fechar.

Por outro lado, houve a pressa arrogante de impor os encerramentos, sem cuidar antecipadamente de dotar as maternidades que se mantinham com os meios de instalações, equipamentos e pessoal necessários para assistir os novos utentes. Vi situações em que enfermarias para 2 camas tinham 4, devido ao novo afluxo.

Quanto às Urgências, o processo foi semelhante.
Neste caso, a comissão produziu um trabalho bem justificado e repetível. Só falhou em não atender a que 60 km na A1 às 23H00, não é o mesmo que 60 km nas estradas da Pampilhosa da Serra à mesma hora, com neve ou nevoeiro.

As populações e a comunicação social confundiam SAP com Urgência. Para quem nunca viu uma Urgência a sério, é fácil estar convencido que um SAP lhe pode salvar a vida.

Não houve o cuidado de informar as pessoas de que os médicos e enfermeiros dos SAP faziam "milagres" todos os dias para atenderem decentemente os utentes, em condições deploráveis de instalações, sem equipamentos e sem qualquer tipo de apoio profissional. Vi alguns onde o equipamento era um esfigmomanómetro, um estetoscópio e um "diagnostic set".
Nestas condições, nem o NOBEL da medicina tinha meios de diagnosticar fosse o que fosse...

Como nestas coisas da saúde o sentimento de segurança é fundamental, faltou fazer as transformações de modo gradual e colocar os meios alternativos nos locais antes dos encerramentos, dando assim confiança aos utentes.
Numa corrida de estafetas, o atleta que recebe o testemunho acompanha o companheiro que lho passa até que estejam à mesma velocidade. Assim deveria ter sido!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Uma ajudinha ao sr. primeiro-ministro (1) - Administração Pública

Em entrevista relativamente recente a uma estação televisiva o sr. primeiro-ministro mostrou dificuldades em compreender a razão da crítica ao governo consubstanciada na derrota nas eleições europeias.

Como gosto de ajudar quem necessita, cá vão umas dicas para o ajudar a compreender.

Uma vez que os textos muito longos são fastidiosos e a análise terá uma certa extensão, vamos dividi-la em três aspectos, constantes de outros tantos textos: Administração Pública, saúde e obras estruturantes, sendo certo que a raiz de todos os problemas está na atitude arrogante de quem pensa que, por ter maioria parlamentar, não tem satisfações a dar a ninguém e em certas dificuldades na convergência com a verdade.

Neste primeiro texto, vamos tratar da Administração Pública.

É evidente que a Administração Pública, regida por legislação estrutural produzida pelo prof. Salazar há cerca de 70 anos, necessita de uma renovação. É que essa legislação foi criada para um país que existia, com um regime que existia, num mundo que existia. Hoje tudo é diferente! Há que agilizar e actualizar. O Estado deve funcionar como uma empresa (saber-se onde se gasta o dinheiro, como e porquê), o que não implica que seja uma empresa.

Esteve bem o governo na modernização administrativa, de que até houve um ministro, há 20 anos, sem resultados visíveis. Acabar com os papéis e passos desnecessários, criação de balcões únicos, etc. Tudo isso foi muito meritório!

Para dar um ar modernaço, seguiu os passos dos governos anteriores de Durão Barroso, Ferreira Leite e Bagão Félix na perseguição a tudo o que cheirasse a funcionário público, fosse ele administrativo, médico, enfermeiro, professor, etc. Com as citadas dificuldades de convergência com a verdade, continuou a passar para a opinião pública que se tratava de uma cambada de madraços que não queriam trabalhar, nunca tinham sido avaliados e auferiam de lautos vencimentos. Não me esquece o debate com o dr. Paulo Portas, onde os dois discutiam aos berros quem tinha abatido mais funcionários ao efectivo. Parecia um tasco de pescadores a discutir os tamanhos do pescado!

A verdade é que toda esta gente, na generalidade, é trabalhadora de grande qualidade e foi sempre avaliada todos os anos (posso mostrar fotocópias das minhas). Será que é por serem malandros que o nosso Serviço Nacional de Saúde é um dos melhores do mundo? Quem o colocou neste nível foram acaso os "boys" nomeados pelos governos dos últimos nove anos?

Quanto a vencimentos, enviesando a estatística e seguindo o dr. Bagão Félix, quis demonstrar que os funcionários tinham vencimentos muito mais altos que os trabalhadores das empresas privadas. Evitando as comparações entre profissionais (tem horror aos casos concretos), usou a média. É óbvio que a média de vencimentos de um conjunto onde 50% tem formação superior, terá que ser superior à média do universo dos restantes trabalhadores. Já se compararmos profissionais equivalentes, os resultados são opostos. Recordo-me que, já em 1980, como engenheiro num hospital, ganhava o mesmo que o porteiro da CELBI ou o leitor de contadores da EDP!

Para meter esta gente "na ordem" teimou em aplicar o caricato SIADAP, herdado dos governos PSD/CDS. Como é que um sistema de avaliação desenhado obviamente para unidades de produção pode aplicar-se directamente a unidades de prestação de serviços, como são as da Administração Pública? Só a arrogância ignorante o pode impor!
E aquela ideia das cotas de classificação? Alguém admitia que num exame se dissesse aos alunos que, independentemente do que fizessem, só 5% podia ter mais de 19 e 25% mais de 18?
Que haja cotas na pirâmide das carreiras, é óbvio e ninguém contesta, embora se conheçam casos de nomeação recente de chefes de departamentos sem mais funcionários. Questões de "cartão"?!

Se não fossem as citadas arrogância e dificuldade de convergência com a verdade, certamente teria o sr. primeiro-ministro a esmagadora maioria dos funcionários a seu lado para uma modernização administrativa coerente, gradual e com êxito.

Para a próxima, falamos da saúde.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Emprego para a vida ou temporário?

Na edição da passada 3.ª feira, dia 16, do excelente programa "Sociedade Civil" da RTP 2, o tema era "2.º emprego", onde os participantes acabaram por pôr em confronto o velho conceito do emprego para a vida e o cada vez mais praticado trabalho temporário ou de contrato a termo certo. Nada mais "fracturante"!

Entre os participantes, como sempre de elevado nível, sobressaía um gestor de recursos humanos, acérrimo defensor do trabalho a termo.

Dizia o senhor que o emprego para a vida acabou, o que é sinal de progresso, uma vez que os trabalhadores inseguros produzem mais e trabalham mais horas, o que aumenta a produtividade. O senhor Taylor da teoria do chicote e da cenoura não diria melhor! Só que o senhor Taylor morreu em 1915 e está ultrapassadote...

Outra das afirmações do citado senhor foi que o facto de haver profissões, como os enfermeiros, onde há profissionais com 4 empregos e muitos outros desempregados, é sinal positivo: é o mercado a funcionar!

E o senhor gestor de recursos humanos dizia estas coisas com o ar empolgado do fanático religioso a citar os seus dogmas...

Ora tentemos comparar as duas situações, do ponto de vista da empresa empregadora e sem preconceitos ideológico-partidários, que enviesam sempre as coisas.

Quando há uns anos uma pessoa entrava para um emprego, considerava-o desde logo "para a vida". Era uma parte da empresa, trabalho comum de vários, ia deitando o olho ao que se passava à volta, avisava de situações que considerava menos boas para o objectivo comum. Enfim, criava-se uma simbiose entre a empresa e o trabalhador, que era e se sentia mais que uma peça da máquina ou um vendedor de tempo de trabalho. O trabalhador, com um sentimento de segurança, empregava o melhor das suas capacidades nas tarefas que realizava.

Testemunhei isto na instalação do Hospital da Figueira da Foz no actual edifício da Gala em 1975 e 1976. Um grupo de pessoas, que ia gradualmente aumentando, trabalhava com entusiasmo horas e horas, sem remunerações adicionais, só para fazer o "nosso hospital". Sentíamos que aquela era a nossa casa para a vida! Chegou-se mesmo a resistir a determinações governamentais.

Na actual situação dos contratados a prazo, o trabalhador sem qualquer esperança de futuro fica na condição de mercenário ou outros vendedores do tempo e do físico. Não tem nada a ver com a empresa em que trabalha, não apresenta propostas para não "fazer ondas", produz o estritamente contratado. Inseguro, realiza as suas tarefas com o pensamento de onde arranjar o próximo emprego quando este contrato acabar. Está-se nas tintas para os resultados da empresa, com que não sente qualquer afinidade. Se lhe pagam 10 porquê trabalhar 12? Quando compro maçãs também ninguém me dá mais do que eu paguei...

Também proliferam as empresas de trabalho temporário (antigamente chamavam-se negreiros...) que vendem e alugam trabalhadores às empresas que deles necessitam, ficando com parte do salário.

A empresa, em vez de uma família, é um sítio onde um grupo de desconhecidos vende umas horas. Será que isto incentiva a produtividade?

Será muito difícil ver isto?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Orgulho e vergonha

Alguém na RTP teve a feliz ideia de apresentar um programa - As 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo - que nos mostrou património edificado e classificado pela UNESCO, de cuja existência certamente 99% dos portugueses nem desconfiava, mas também o sentimento das populações locais relativamente à memória dos portugueses.

Da minha experiência, a maioria dessa gente desconhece totalmente que haja um país chamado Portugal, salvo os que se interessam pelo futebol, mas para todos há uma profunda memória dos Portugueses como povo, às vezes mítico. É assim, nomeadamente no Oriente.

Claro que a constatação desta memória positiva nos deve encher de orgulho. Afinal, desfeito materialmente o império, parece que restou qualquer coisa de muito mais válida que o ouro do Brasil ou o comércio da Índia. Os nossos antepassados deixaram uma aura de respeito, admiração e amizade nos mais distantes lugares da Terra. Resta-nos ser dignos da herança!

Aqui é que começa a vergonha... Ouvimos as queixas das gentes de Diu, de Goa, de Malaca, e eu ouvi os de Singapura, fartos de implorar aos governos portugueses, um livro, uma cassete de música (fui testemunha!), uma simples resposta a uma carta e... nada!

Para os incompetentes e ignorantes que nos têm governado, como dali não chegam subsídios nem negociatas imediatos, não é coisa que mereça resposta.

Se algumas respostas houve foram de alguns padres, como o padre Manuel Teixeira, transmontano, o padre Lancelote Rodrigues, malaqueiro, ou D. Domingos Lam, bispo de Macau, chinês, e do último governador de Macau, general Rocha Vieira, que apoiaram dentro das suas possibilidades alguns grupos de descendentes dos portugueses de há 300 anos, nomeadamente em Malaca e Singapura.

Nesses grupos, como o Eurasian Association de Singapura, ainda hoje os mais velhos ensinam semanalmente aos mais novos o Português que sabem - Papiar Kristang - mistura do português de há 300 anos com o malaio, mantêm uma gastronomia de origem portuguesa, cantam as músicas portuguesas de que se lembram e mantêm orgulhosamente nas paredes da associação quadros com as árvores genealógicas das principais famílias, com o português na base. Dizem-se portugueses como afirmação social.

Esta gente, que não é propriamente pedinte, mas influente na economia e no meio social, por exemplo, de Singapura, podia ser muito útil à nossa economia se os nossos governantes tivessem olhos para ver. Bem sei que não jogam futebol, mas são gente que muito poderia ajudar os "parentes", se eles tivessem a amabilidade de lhes dar a mínima atenção.

Talvez porque haja afinal algum governante com vergonha na cara, vi declarações da presidente do Instituto Camões (mas porque é que um organismo eminentemente cultural tem de estar no Ministério dos Negócios Estrangeiros?!), dr.ª Simonetta Luz Afonso, no sentido da criação de um leitor itinerante para apoio a essas comunidades.

A missão não podia estar melhor entregue. A dr.ª Simonetta é profunda conhecedora da situação da herança portuguesa no Oriente e certamente envidará todos os esforços para "limpar" a imagem de Portugal e dos portugueses e colaborar com tão generosas gentes, desde que lhe sejam facultados meios, claro.

É que já houve uma embaixadora, hoje deputada europeia, que fechou a embaixada por não lhe darem verbas para o simples telefone. Esteve meses a pagar do bolso dela!

Espero que sejam dados todos os meios a essa missão e que afastem dela os diplomatas. É que cada um deve fazer o que sabe e o resultado da intervenção diplomática está à vista...

domingo, 17 de maio de 2009

O Manual do Aplicador

Ouvidas as notícias sobre a indignação da FENPROF relativamente a um Manual do Aplicador para utilização dos professores encarregados de vigiar as provas de aferição dos 4.º e 6.º anos, achei exageradas as críticas e busquei na NET o dito manual. Não encontrei o de 2009, mas encontrei o de 2007. Obra notável!

Não se limita a ser um protocolo de procedimentos, que defendo na maioria das situações nas empresas, mas mais parece o script de uma peça de teatro.

Nos textos sombreados a amarelo proíbe-se o professor de tentar interpretar o que vai ler, limitando-se a ler exactamente o que é apresentado ao longo do manual.

De facto, dada a conhecida indigência cultural dos professores, seria demasiado esperar que soubessem interpretar tão rebuscados conceitos!

Mais à frente, noutro sombreado amarelo, proíbe-se o professor de ler o conteúdo da prova. Mais uma vez o autor defende o professor de se embrenhar em conceitos que ultrapassam muito as suas capacidades.

Só noto uma falha no manual: O script não contempla que o professor diga "bom dia" quando encontra os alunos à porta da sala às 9 horas e 45 minutos. É que, broncos como se sabe serem, certamente não terão tal amabilidade!

Se os "lá do alto império" me permitem uma opinião, direi que, dada a altíssima qualidade do manual, o professor passa a ser um elemento supérfluo na questão e gerador de despesas inúteis no processo.

Se é para reproduzir textualmente o que diz o manual sem o interpretar e vigiar horários e procedimentos, seria muito mais económico instalar um robot e um sistema de vigilância electrónica controlados por um vigilante de uma empresa de segurança.

As vantagens seriam consideráveis:
- O vigilante ganha muito menos que um professor
- Dava-se mais trabalho às empresas privadas, lutando contra a crise
- Os robots ainda não fazem greves
- Podia haver na porta uma célula de medida das dimensões das vestimentas
- Podia ser gravada a voz da sr.ª ministra, evitando assim qualquer possível desvio em termos de entoação da leitura.

Estavam à espera que eu criticasse o manual, era?!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A agressão e os culpados

Claro que me refiro à agressão e insultos de que foi vítima o Prof. Vital Moreira na manifestação de hoje da CGTP.

Quem são os culpados?

No coliseu de Roma, quando os cristãos eram lançados aos leões que os estraçalhavam, os culpados eram o leões?

O sr. Professor nos posts dos últimos anos do seu blogue, sem direito a comentários, tem dito dos professores, dos enfermeiros, dos médicos, dos funcionários públicos em geral e de toda a gente que não diz amen ao sr. engenheiro, o que Maomé não disse do toucinho.

O PS, convidado a fazer representar-se na manifestação onde estavam maioritariamente os ofendidos pelo senhor, em vez de mandar alguém menos agressivo, foi logo mandá-lo a ele. Era previsível que não seria bem recebido. Não se estava na Assembleia, onde mentira se diz eufemisticamente inverdade. Estava-se com gente habituada a chamar os bois pelos nomes. Aconteceu!

Não estou de modo algum a justificar a agressão, que nunca será método democrático e civilizado de resolver os diferendos, mas que às vezes apetece... apetece!

Quem semeia ventos... colhe tempestades!

A gripe - Um procedimento exemplar

A ameaça da gripe, agora classificada de A para descanso dos pobres suínos, caiu nos noticiários como a proximidade do juizo final.

Falou-se da probabilidade de dezenas de milhões de mortos, enfim, uma catástrofe!

Do governo esperava-se, e alguma imprensa exigia, daquelas acções de grande espectáculo, que dão sempre a ideia de grande eficiência. Por exemplo, o governo egípcio mandou abater todos os porcos do país. Como os porcos nada tinham a ver com o assunto, a não ser o nome do virus, aí está uma acção espectacular, mas perfeitamente estúpida.

Estou-me a recordar do relativamente recente caso da gripe das aves em que, para dar ideia de grande preocupação, se ordenou a existência de salas de "isolamento" em todas as urgências hospitalares. Como uma sala de isolamento é uma unidade complicada impossível de fazer em poucos dias e, mesmo assim, implica grandes verbas, chamou-se "sala de isolamento" a uma qualquer sala em que a porta se pudesse manter fechada. Aqui está um exemplo de uma grossa asneira de grande impacto mediático.

Ao contrário, a nossa ministra da Saúde, com a serenidade que lhe é peculiar, organizou um esquema funcional e eficaz, sem alardes nem populismos mediáticos, que podem dar grandes títulos mas também originar enormes asneiras.

Organizou-se a resposta em 4 centros devidamente equipados, diminuiu-se a possibilidade de contágio afastando as pessoas das perigosíssimas salas de espera das unidades de saúde, assegurou-se o acesso a toda a gente com ambulâncias próprias e infundiu-se a calma e a confiança fundamentais em casos destes. E fundamentalmente mantém-se a população devidamente informada e vai-se adequando a resposta às solicitações da situação.

Grande exemplo para outros ministros...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um santo incómodo

Realizam-se no próximo domingo, dia 26, as cerimónias de canonização do Beato Nuno de Santa Maria, figura histórica Nuno Álvares Pereira.

A notícia passa despercebida, por não se tratar das notáveis celebridades da "Caras" nem das tertúlias da SIC. Claro que interessa muito mais ao país saber se uma dessas celebridades está ou não constipada.

Por outro lado, trata-se de uma personalidade incómoda aos poderes constituídos, tal como Aristides Sousa Mendes, pois deu-se ao desplante de ter coluna vertebral e obedecer a valores, o que constitui muito mau exemplo nos tempos que vão correndo.

Filho do prior do Crato (um dos 26 conhecidos...), tentou realizar sempre o melhor dos ideais da cavalaria medieval em que foi educado. Como chefe militar nunca permitiu que os seus homens se dedicassem às pilhagens e violações que eram normais por parte dos vencedores de batalhas.

Sendo descendente, não herdeiro primogénito, de um poderoso senhor feudal, não hesitou em se juntar e chefiar as massas populares famintas e os ainda incipientes burgueses contra o poder feudal representado por D. João de Castela e pelo seu próprio irmão.

Também não será muito simpático à Igreja mais tradicional, pois não se tratou de um dos santinhos apalermados com os olhos em êxtase para o céu que nos servem nos altares, mas de um homem vertical, com ideias muito firmes, que não se limitava a "adorar", antes a pôr em prática os valores da doutrina cristã.

Conta-se que, terminada a fase das guerras com Castela, entrou em dissidência política com o seu amigo rei D. João I e, havendo um almoço de estado para que não o convidaram, entrou na sala e simplesmente virou a mesa com tudo o que tinha em cima.

Digam lá se, para santo e para político, não é incómodo e mau exemplo!?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O S. João fez 50 anos...

Pois é. Já lá vão 50 anos!

Lembro-me perfeitamente do dia da inauguração daquele edifício que sempre tinha conhecido de ver das traseiras da minha casa e que me habituei a ouvir designar por "Hospital da Cidade".

Era uma coisa, para nós, digna de ficção científica. Tinha o luxo de uma travesseirinha com altifalante em cada cama, para que o doente pudesse ouvir cómoda e privadamente rádio ou música, a partir da emissão central do hospital. Também havia um sistema de antenas que circundavam o edifício e que permitiam chamar algumas pessoas, médicos e enfermeiros-chefes, através de um alarme tipo esferográfica que tinham no bolso da bata. Os assim alertados dirigiam-se ao telefone interno mais próximo a contactavam a central, que lhes transmitia a mensagem pretendida. Isto há 50 anos, era obra! Tinha um consumo de electricidade semelhante ao da cidade de Braga!

Passados alguns anos, tanto eu como a minha mulher iniciámos lá as nossas carreiras profissionais.

Nessa altura, o hospital era dirigido pelo provedor dr. João Rodrigues, que deu tanto de si ao novo projecto que lhe chamavam "hospital do João".

Foi uma autêntica revolução naquela zona de Paranhos. Abriram-se os acessos ao hospital. O autocarro da carreira E, que inicialmente se dirigia a Contumil, via Paranhos, passou a dirigir-se ao novo hospital. Também a carreira D, pelas Antas, passou a servir o hospital. Depois foi o L, para a Maia.

No próximo sábado vamos ter o prazer de participar numa parte da festa de aniversário daquela casa que também já sentimos nossa.

Como na cantiga dos parabéns, pr'ó "menino João" uma salva de palmas...!

domingo, 12 de abril de 2009

A guerra dos genéricos

Recentemente voltou às primeiras páginas da imprensa o conflito que envolve a Associação Nacional de Farmácias (ANF), a Ordem dos Médicos e o Governo acerca do fornecimento mais ou menos livre de genéricos pelas farmácias.

Como o tema envolve o dinheiro dos utentes, e do Estado, é fácil criar divisões demagógicas extremadas sobre o assunto. Uns dizem que os genéricos são a melhor coisa do mundo e fonte de enormes economias para as finanças do SNS. Outros, pelo contrário, diabolizam tais medicamentos só faltando dizer que são feitos atrás da porta nos acampamentos ciganos.

O Zé utente e pagante fica perfeitamente baralhado sem saber em quem acreditar, uma vez que já tem larga experiência de qualquer dos contendores lhe enfiar memoráveis barretes.

Pessoalmente, devo já dizer que defendo a utilização dos genéricos sempre que possível e em unidose.
Sabem que há países (por exemplo a Tailândia) onde as farmácias só existem nos hospitais, onde termina o circuito do doente, e em sistema uniodose? Vi isso em hospitais de empresas multinacionais do ramo, não se tratando portanto de delírios socialistas.

Com alguns anos de experiência na Saúde, vou tentar explicar a situação.

Todos sabemos que a indústria farmacêutica constitui um dos potentados mundiais, chegando a pôr e depor governos, e que fica prejudicada com a entrada no mercado dos genéricos, que não são mais que os seus produtos cujo prazo de registo reservado já expirou. Os sucessivos governos, desde há mais de 30 anos, deixaram que esta indústria se apoderasse do sistema de saúde, dominando actualmente os equipamentos de análises e a quase exclusividade da formação contínua dos médicos, para além de ser credora de muitos milhões de euros ao Estado.

Por outro lado, as farmácias comerciais, também credoras de milhões de euros ao Estado, seu maior cliente, estão interessadas na venda dos genéricos (diz-se que a ANF é sócia de uma produtora de genéricos), até para aumentarem as vendas devido à baixa de preço. Nem a indústria nem as farmácias parecem particularmente interessadas na unidose, que lhes baixaria substancialmente os lucros.

A ministra da Saúde tem a infelicidade de estar, neste caso, na situação do fiambre na sande. De um lado, a toda poderosa indústria, a quem deve milhões e que a pode deixar de um dia para outro sem análises e sem medicamentos. Por outro lado, as farmácias, a quem também deve milhões, e que têm toda a facilidade de conquistar a simpatia dos utentes (são votos!), com a promessa de preços mais baixos. Aqui as farmácias estão numa situação mais fraca, uma vez que, sendo o Estado o seu maior cliente, se não lhe venderem fecham a porta.

Claro que os genéricos, devidamente controlados e em unidose fazem parte de uma solução para baixar os custos do SNS.

Em defesa do SNS temos o dever de apoiar a ministra nesta situação.

quinta-feira, 12 de março de 2009

O caso do comboio da Figueira

Depois de ler o post http://palavras-cruzadas.blogspot.com/2009/03/ligacao-ferroviaria-figueira-da-foz.html, tendo sido durante vários anos utente do mesmo vai-vem, não resisto a comentar.

Vejamos o que se passou:

Umas senhoras recolheram durante a viagem assinaturas para um abaixo-assinado de protesto contra os recorrentes atrasos na linha Figueira da Foz - Coimbra. O revisor chamou a polícia, que respondeu à chamada, identificando as senhoras à chegada à Figueira da Foz, como organizadoras de um movimento, pelos vistos uma infracção legal.

Claro que logo apareceram os comentadores com acusações de fascismo, acção pidesca, etc., que só podem ser fruto de mentes seguidoras de ideias comunistas, anarquistas e outras ideias subversivas, bem como de organizadoras de campanhas negras.

Vejamos do que, em minha opinião, se trata:

A CP ( ou lá como se chama agora a empresa dos comboios), conhecedora do estado deficitário do turismo da Figueira da Foz e sabendo o chamariz de multidões que são as reconstituições históricas, resolveu dar uma ajudinha.

Já imaginaram as multidões que se deslocarão à Figueira, vindas da Austrália, Canadá, quiçá do Burkina-Faso, para verem e andarem num comboio que consegue fazer os míseros 50 Km da Figueira a Coimbra no tempo de 1h 06m, à estonteante velocidade média de 45 Km/h?

Assim, resolveram dar essa prenda à Figueira, com um comboio de há 50 anos atrás.

Então acreditam que um revisor, em 2009, ia chamar a polícia por alguém andar a recolher assinaturas? Claro que é uma reconstitução de algum "bufo" de há 50 anos!

Acreditam que a PSP da Figueira da Foz, a braços com traficantes de droga e outra bandidagem às dúzias, ia perder tempo a atender uma denúncia de "organização de movimento"? Obviamente que não. Os senhores fardados eram figurantes da já referida reconstituição!

Estão esclarecidos?

domingo, 1 de março de 2009

Sexo, moral e bons costumes

Nas últimas semanas houve três acontecimentos que ocuparam as parangonas da comunicação social: as posições da Igreja sobre homossexualismo, a retirada das imagens de um carro de carnaval em Torres Vedras e a apreensão de livros em Braga por eventuais atentados à moral e aos bons costumes. Entre estes acontecimentos há uma coisa em comum - a censura do sexo e actividades relacionadas.

É fácil apontar o dedo ao polícia que apreendeu os livros ou à magistrada que proibiu as imagens de carnaval, mas temos de ir às causas profundas.

Sendo o sexo uma componente normalíssima do ser humano, dou comigo a reflectir o porquê deste anátema e do considerar-se tudo o que com ele se relaciona atentatório da moral e dos bons costumes.

Sabemos que a razão básica é da nossa tradição cultural e religiosa, mas, sendo o resumo da doutrina de Cristo "ama o próximo como a ti mesmo", e não sendo a actividade sexual, desde que consentida, agressiva para quem quer que seja, porquê a condenação?

Só encontro uma razão comum às chamadas religiões do "Livro" (Judaísmo e seus derivados Cristianismo e Islamismo) - o poder.

Os primeiros povos ligaram os fenómenos naturais a forças que não compreendiam e que relacionaram com "deuses". Nasciam as religiões e os homens que se arvoravam em intermediários entre os homens e essas divindades - os mágicos e sacerdotes, que tomaram logo um grande ascendente sobre os outros. Quando surgem indivíduos que se arrogam proprietários de terras e subjugam os outros pela força, aliam-se aos feiticeiros e sacerdotes para consolidação conjunta do poder.

Neste contexto, inventa-se um deus que tudo vê e fiscaliza permanentemente os actos dos humanos. Para controlo eficaz dos povos, nada melhor que controlar os seus instintos mais fortes, nomeadamente o da sobrevivência da espécie, o sexo, e o da sobrevivência pessoal, a alimentação. Talvez venham daí os preceitos religiosos, que depois se tornaram culturais, referentes às práticas sexuais e a certas dietas. É natural que inicialmente estes preceitos também tivessem intenções de saúde pública e controlo da natalidade.

Desta reflexão concluí que o sexo não pode ser atentatório da moral e dos bons costumes nem é minimamente razoável classificar e discriminar as pessoas pelas suas preferências nessa matéria. Alguém se lembraria de discriminar as pessoas por gostarem, ou não, de bacalhau ou por andarem, ou não, de patins? Então porquê o sexo?

O que é atentatório da moral e dos bons costumes é vermos que senhores que se apresentavam como exemplares modelos sociais não passam afinal de uma cambada de ladrões e vigaristas, é vermos "empresários" fecharem as empresas "à má fila" e deixarem os trabalhadores sem pão, é vermos o proliferar de "facadas nas costas" de colegas para subir nas carreiras.

Isso é que é atentatório da moral e dos bons costumes e não há notícia de "retiradas preventivas".

Estamos numa sociedade "sexófoba". É urgente mudar de paradigma.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Paranhos há 50 anos

O post anterior despertou-me as memórias e resolvi deixar um testemunho de como se vivia em Paranhos, Porto, pelo menos no polígono cemitério, Campo Lindo, Arca d' Água, Hospital de S. João, há mais de 50 anos.

Eu vivia na Rua Dionísio dos Santos Silva, no largo a que se chamava informalmente de Largo da Bouça. Não sei as razões de tal toponímia informal, mas existia a Viela da Bouça e julgo que estivesse relacionado com a bouça que existia entre a Rua da Asprela e as traseiras das casas do largo, onde hoje existe um bairro social. Frequentava a escola primária 35 no edifício da junta, que só ocupava o bloco central, sendo do lado de cima da rua a escola masculina e do lado de baixo a escola feminina. A sala da minha 4.ª classe (professor Joaquim Evangelista) era exactamente onde hoje é a secretaria da Junta. Em frente da escola havia uma fábrica que tinha dois corvos como guardas.

A vivência dessa área da cidade era mais aparentada com as suas origens maiatas que com a restante cidade. A minha rua era praticamente uma aldeia, com relações familiares entre muitas das pessoas, sendo a minha família uma das excepções. Só lá viviam desde 1945. Era uma zona de lavradores, onde circulavam pachorrentos carros de bois. Havia ainda artífices como os "pica-limas", que repicavam as limas usadas. Hoje nem se pensa nessa hipótese... Pegado à minha casa havia uma fábrica, primeiro tinturaria, depois de malhas. O largo estava ainda provido de duas mercearias-taberna com vasta freguesia, a do sr. Pereira (ex-Azeveda) e a do sr. Avelino.

A maioria das casas não tinha água canalizada nem saneamento. Iam buscar água ao fontanário, em frente da minha casa, e os esgotos iam para fossas. A casa onde eu vivia, mais urbana, tinha água canalizada e esgotos para uma fossa, que alguém clandestinamente abriu para as águas pluviais e rio da Manga, mas nem pensar em água quente. Nas festas populares, do Sto. António ao S. Pedro, havia bailarico no largo e algumas sessões de pancadaria com as bebedeiras correspondentes.

Quanto a profissões havia de tudo. Lavradores, picheleiros, electricistas, trolhas, polícias, oficiais militares, um artista de molduras, tipógrafo, enfermeiro, viajante, etc.

Um profissional que me ficou na memória foi o Tono Vareiro. Como a alcunha indica, vendia peixe com aquelas canastras enfiadas num pau, que devem ter sido herdadas dos chineses. À noite, andava com uma escada às costas a roubar roupa estendida nos quintais. Não roubava nada lá na rua. Como ainda não tinha aparecido a teoria da "sociedade de sucesso" do prof. Cavaco, até os ladrões tinham ética!

Hoje pergunto-me se o Tono seria mesmo um ladrão e raciocino: um tipo que rouba cuecas rotas, lençóis remendados e meias ponteadas (era o que havia!) não tem mesmo classe nenhuma, logo é um ladrão. Se roubasse milhões e os colocasse em off-shores seria um senhor de classe e até se arriscava a ser condecorado. O problema é que nesse tempo não havia off-shores...

Sempre vi o edifício do Hospital da Cidade (S. João), embora só abrisse em 1958. Por essa altura aprendi a andar de bicicleta nas obras de abertura da Rua Dr. António Bernardino de Almeida, a que chamávamos "avenida". Lembra-me que o dono daqueles terrenos, onde hoje corre essa rua e estão o ISEP e o bairro da Agra do Amial, se enforcou por não concordar com as condições da expropriação camarária. Terá sido por 1956. A minha rua acabava na Rua de S. Tomé, no Bairro da Azenha.

Quando o hospital abriu, era um "top" de modernidade. Tinha uma travesseirinha com rádio para cada cama, ligado a um sistema central e um sistema de procura de pessoas via rádio. Os médicos e enfermeiros-chefes tinham um aparelho semelhante a uma caneta que apitava quando houvesse necessidade de o contactarem. Dirigia-se ao telefone mais próximo e era informado pela central do que se passava. Um prodígio tecnológico para a época!

Passados 11 anos fui para lá trabalhar. As travesseirinhas já não tinham os rádios e do sistema de chamada só existiam as antenas em volta do edifício. O Estado nunca foi bom a manter o seu património.

Aqui fica o testemunho do lugar onde passei os meus primeiros 25 anos e onde ainda volto com saudade. Se alguém quiser dar mais achegas, agradeço.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

3 de Fevereiro de 1927

Neste post não se pretende historiar a revolta de 3 de Fevereiro de 1927, mas somente registar a visão de quem viveu os acontecimentos por dentro e involuntariamente. O resto é para os historiadores.

Nessa noite o cabo Faria chefiava a guarda ao Hospital Militar do Porto. Fazia 1 ano que tinha assentado praça e tinha-lhe sido fácil ascender àquele posto por ter habilitações literárias razoavelmente superiores às dos seus camaradas soldados. Tinha o 4.º ano de Comércio do Colégio Almeida Garrett. Recebeu ordens para regressar imediatamente com os seus homens ao quartel do regimento de Infantaria 18, a que sempre pertencera, ali na Praça da República.

Quando chegou ao quartel, distribuíam-se munições a toda a gente e, como tinha a especialidade de apontador da metralhadora Lewis, foi-lhe dada ordem para avançar com uma força que ia para o Jardim da Moreda, na rua Santos Pousada.

Entretanto foi apreendida uma moto com side-car e, não havendo condutor, foi perguntado quem estava habilitado a conduzir aquilo. Como tinha carta de moto, o cabo Faria deixou a metralhadora e foi fazer aquilo que era a sua diversão preferida: andar de moto. Seguiu outro com a metralhadora.

Recebeu ordens para conduzir um oficial e lá foi ele para o Quartel General, ali junto à Batalha, onde já se começavam a cavar trincheiras debaixo do fogo da Artilharia da Serra do Pilar.

Da Batalha seguiu com o oficial para Metralhadoras 3, ali em frente ao palácio dos Carrancas, hoje Museu Soares dos Reis, onde lhe comunicaram que estava preso e teria de trabalhar para os novos chefes, distribuindo aguardente pelas trincheiras.

Destino de soldado! Já era a segunda vez que lhe acontecia mudar de campo nestas coisas das revoluções. A primeira tinha sido poucos meses antes, em 28 de Maio de 1926, quando tinha ido com o seu regimento para Norte, a fim de combater as tropas revoltosas de Gomes da Costa e, depois de ir a pé até Famalicão, voltar ao Porto integrado nas tropas que ia combater. O seu regimento tinha mudado de chefe. Como continuava a andar de moto, tudo bem. O resto era lá com os políticos...

Correu a notícia de que o apontador da metralhadora na rua de Santos Pousada tinha morrido. A palmeira ali existente, ainda hoje mostra as marcas das balas. Alguém que não tinha sabido da história da moto foi dizer à mãe do cabo Faria da sua morte. A senhora e a filha vestiram o correspondente luto.
Continuou com a distribuição do suplemento de aquecimento naquelas noites frias pelas trincheiras instaladas, nomeadamente na Praça da Batalha, onde os revoltosos instalaram o seu comando no teatro S. João.
O frio era muito e os silvos das munições e as explosões eram um ruído constante. Cadáveres por toda a baixa. No cruzamento das ruas de Antero de Quental e Constituição o residente no andar por cima da farmácia Maciel veio à varanda ver a revolução. Uma granada de artilharia arrancou-lhe a cabeça. Um esquadrão de Cavalaria 7, de Aveiro, entrou a galope na ponte D. Luís, aos vivas à revolução, pensando enganar os revoltosos entrincheirados à saída da ponte. Foram dizimados à metralhadora. Cavalos feridos e espavoridos espalharam-se pelas ruas circundantes.
O motociclista, numa vaga, lá conseguiu visitar a mãe na Rua da Alegria, onde desfez o equívoco da sua morte.
No dia 7 deu-se a rendição dos revoltosos e o cabo voltou ao seu regimento, onde foi detido (já ia sendo hábito!) e acusado de colaborar com os revoltosos, arriscando-se a ser deportado com os outros. Valeu-lhe a honestidade do oficial, também preso, que declarou ter estado sempre às ordens dele e ser ele o responsável. Nesse tempo, os chefes sabiam sê-lo e assumiam as suas responsabilidades!
Tudo isto me foi contado diversas vezes pelo cabo Faria, meu pai, que fez 49 anos de serviço militar efectivo, para demonstrar a monstruosidade de uma guerra, muito mais de uma guerra civil. É em memória dele que aqui fica o testemunho.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Estupidez 24

Os noticiários de hoje da RTP, além dos discursos fortes, inteligentes e humanos do novo presidente Obama, brindaram-nos, por oposição, com declarações fracas, estúpidas e desumanas de um senhor que pelos jeitos é administrador da empresa adjudicatária do serviço Saúde 24.
De resto, nos mesmos noticiários, o sr. Director-Geral da Saúde já tinha classificado os administradores de tal empresa de "incompetentes para lidar com enfermeiros".

Argumentam os enfermeiros despedidos, ao que parece por fraca produtividade, que não podem cumprir com os curtos tempos de atendimento determinados pela empresa por, em obediência à sua consciência profissional, necessitarem de recolher todo um conjunto de informações sobre os utentes, que lhes permita um aconselhamento consciente.

Argumenta o tal senhor administrador que "os operadores têm obrigação de fazer o que lhes mandam e mais nada!", mais argumentando que cumpre escrupulosamente o contratado com o Estado. Estão os profissionais de enfermagem reduzidos à condição de telefonistas de "call center"!

Ora aqui está a demonstração da ignorância do senhor: os doentes não se tratam com ordenamentos jurídicos, mas com competência profissional de quem tem competência para o fazer.

Daqui fica também uma boa amostra das consequências das parcerias público-privadas na saúde tão propagandeadas pelo governo. É sabido que às empresas só interessa o lucro e que, quando misturamos lucro com tratamento de doentes sem o devido controlo, quem perde são os doentes.

Bem podem limpar as mãos à parede!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O estado da Nação

No debate na Assembleia da República da passada quarta-feira, houve dois factos que me deram que pensar.

Um foi anunciada a criação de um banco nacional de células estaminais. Nada mais acertado nesta ocasião. Embora de imediato possa parecer não ter grande utilidade, dada a ainda incipiente utilização da medicina molecular, é a medicina do futuro e convém que existam as reservas quando tais tratamentos se generalizarem.

Não me espanta que apareçam agora as empresas já detentoras do rendoso negócio (cerca de 1.000 € por colheita) a acusarem o Estado de concorrência desleal, como acontece com os notários.

Outro facto foi o plágio do sr. primeiro-ministro ao dr. Durão Barroso quando deselegantemente pôs em causa a legitimidade de uma deputada dos Verdes. Será que também se quer candidatar a um lugarzito na UE?

É que são tantas as semelhanças, desde a hostilidade para com os funcionários públicos, às atitudes arrogantes, que já só lhe falta arranjar um nome de peixe. Os outros nomes também já lhos chamámos todos....

sábado, 3 de janeiro de 2009

Uma réstia de esperança

Ílhavo. Hoje à tarde.

Um cão, com olhos de Husky, está enrolado no passeio, todo molhado, a tremer de sofrimento, com um olhar de quem pede ajuda. Talvez tenha sido atropelado.

Juntam-se pessoas. Uma arranja carne e água numa loja próxima. O animal devora rapidamente a carne e parece mais calmo. Outra corre à clínica veterinária ali perto. Está fechada, mas tem um número de contacto urgente. Telefona-se ao médico, que aparece passados alguns minutos. Entretanto alguém chamou também os serviços da Câmara Municipal, que não tardam.

Leva-se o corpulento cão na carrinha da Câmara para a clínica, onde é observado e medicado. O médico aconselha a que seja mantido em ambiente morno, pelo menos deitado sobre uma manta ou jornais, não havendo condições logísticas para que fique na clínica. Resta o canil camarário, mas os solícitos funcionários informam não haver mantas para o ter. Logo uma vizinha dá umas mantas velhas que tinha lá em casa. A carrinha leva-o, antes que acabe o efeito da anestesia que foi necessária.

Um dos presentes paga ao médico, que só aceitou o valor dos medicamentos aplicados.

Digam lá que, neste início de um ano que se prevê difícil, isto não é uma réstia de esperança!

À mesma hora a que, na Faixa de Gaza, homens, ainda parentes, se matavam barbaramente, em Ílhavo gera-se uma corrente de solidariedade em volta de um pobre cão. A Câmara e os moradores juntam os braços para minorar o sofrimento do "irmão cão", sem perguntar quem paga o quê ou a quem pertence o cão.

É este espírito que pode salvar o mundo. Vamos cultivá-lo!