Desde há uns dias que, não sei porquê, não me sai da cabeça a memória de uns acontecimentos passados em 1973. Parece que pedem que os publique. Cá vai!
Na altura, chefiava eu as Oficinas de Quelimane dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), com cerca de 200 trabalhadores, quando chega a notícia da visita de alguém muito importante, não sei já se o governador se o ministro do Ultramar.
Claro que se organizou logo uma manifestação espontânea, com comboios vindos do interior com milhares de pessoas ávidas de conhecer e vitoriar tão ilustre visitante, devidament enquadrados pelos Chefes de Posto e respectivos cipaios. Houve também ordem de fechar as oficinas nesse dia.
Acontece que a maioria dos trabalhadores eram eventuais pagos por obras, isto é, eram pagos pela imputação à obra em que trabalhassem e só do tempo em que o fizessem.
Como havia um encerramento compulsivo das oficinas, pôs-se-me o problema de como actuar. Não podia pagar-lhes pelas obras em que não estavam a trabalhar porque isso iria ultrapassar os orçamentos iniciais. Também não era justo não lhes pagar, pois o encerramento era compulsivo e não tinham culpa da visita do sr. importante. Por outro lado, se não lhes pagasse para vitoriarem o sr. importante, podia ter problemas com a polícia política.
Como já sabia que, nestas coisas, quem se lixa é o mexilhão e que as ordens orais são repentinamente esquecidas, solicitei instruções por escrito.
Passados dias tinha 2 agentes da PIDE, desculpem, DGS, a convidar-me para beber uma cerveja.
Esta confusão da designação vem de que a PIDE tinha acabado há pouco tempo, sendo substituída pela DGS. Isto é, mudaram o rótulo à garrafa, mas o conteúdo era o mesmo. Parece que a culpa era dos madeirenses. É que, com a maneira peculiar de pronunciarem os "ii", o nome da prestimosa organização prestava-se a dichotes jocosos nos recônditos mais escondidos das casas. Nesse tempo, ainda não havia este excesso de liberalismo de também se poder brincar com estas coisas nos cantinhos dos cafés!
Lá tive de beber uma Manica média com eles e explicar-lhes a situação, que pareceram compreender.
Passados alguns meses, tive a resposta oficial de que não era oportuno dar instruções sobre o assunto.
Mas por que será que, nos últimos dias, não me sai isto da memória? Deve ser da idade....
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