sábado, 15 de setembro de 2007

As contas dos hospitais S.A./E.P.E.

Antes de mais, e em jeito de declaração de interesses, quero afirmar que não nutro o mínimo de simpatia pela figura dos hospitais S.A./E.P.E., cuja instituição arruinou as minhas aspirações de progressão na carreira e de vir para a reforma com mais uns "trocos" na pensão.
Com a instituição dessa nova modalidade, o descaramento partidário, que já vinha dos tempos da ministra Beleza, tomou novo alento, tendo o poder nos hospitais sido ocupado pelos afilhados partidários, alguns com curriculum de levarem empresas à falência, e distribuindo lugares por quantos "jotas" apareciam, com ultrapassagem de funcionários de carreira com algumas décadas de serviço.
Na semana passada esteve muito em destaque o facto de alguns hospitais E.P.E. apresentarem lucros.
Não posso acreditar!
O último caso de hospital estatal com lucros de que me recordo foi há cerca de 25 anos, um hospital que transferia todos os doentes que apareciam na Urgência (nem saíam das ambulâncias) e imputava tratamentos na Urgência a todos. Como os financiamentos eram "à peça", tinha lucros.
Acredito que tenham reduzido bastante as dívidas.
Seja dito em abono da verdade que nos hospitais da Administração Central nunca se fizeram contas devidamente. A contabilidade analítica era, em grande parte, feita "a olho", interessando que, no final, o número correspondente às receitas fosse rigorosamente igual ao correspondente às despesas, não interessando como nem porquê. Julgo que esta situação se mantenha na maioria dos serviços públicos. Quem avalia se reparar uma cadeira é mais caro que comprar uma nova?
Também é verdade que a legislação das despesas, feita ainda em grande parte pelo dr. Salazar, há 70 anos, para um país, um regime e um mundo que existiam na altura, empurra muitas vezes para situações absurdas em termos económicos.
Por exemplo, se um serviço público necessita urgentemente de uma viatura, não pode comprar sem inscrição no PIDDAC, levando a aquisição para um prazo de cerca de 2 anos, se correr bem. Resta a hipótese de tentar o recurso a uma viatura do parque de apreendidos da P.J., alguns com anos de abandono. Obtido o carro, procede-se às reparações necessárias para que possa circular. Chega a gastar-se 5.000 € numa viatura que comercialmente não vale 2.000. Mas cumpriu-se a lei e os regulamentos e ficaram todos muito contentes com a poupança!
Se os serviços públicos funcionassem como empresas (não necessitam de o ser), haveria quem fizesse as contas mínimas, com poupanças efectivas e melhoria do malfadado défice.
Por isso acredito na diminuição das dívidas dos hospitais E.P.E..
Essa diminuição poderia ainda ser maior se pagassem aos seus fornecedores a 30 dias efectivos (cerca de 30% de poupança), embora isso estragasse o negócio parasita das empresas de facturing.
Outra consequência, nefasta e delapidadora dos dinheiros públicos, das dificuldades do processo de aquisição de equipamentos, foi o deixarem estabelecer, na década de 1990, o sistema de instalação de equipamentos de laboratório contra-consumo. Como o sistema não permitia que se renovassem os equipamentos de análises clínicas ao ritmo das necessidades da medicina, decorrentes do aparecimento de novos exames a um ritmo similar ao do desenvolvimento da informática, os laboratórios fornecedores de reagentes propuseram o fornecimento "gratuito" dos equipamentos sempre os mais modernos, calibrados para só funcionarem com os reagentes deles, com um contrato de fornecimento de reagentes aos hospitais, ao preço que o laboratório determinava e com quantidades mínimas de consumo. Espartilhados entre a infracção das sacrossantas leis de aquisição de bens e a transformação dos laboratórios em museus, os hospitais aceitaram.
Hoje, só pertencem aos hospitais os equipamentos de análises que não utilizam reagentes e não é possível adquirir equipamentos "abertos" (que utilizem reagentes de qualquer marca).
Posso afirmar que uma lâmpada de halogéneo, que custa 5 € em qualquer supermercado, passou a custar 500 €, porque vem inserida num suporte calibrado para determinado equipamento.
Começam a perceber donde vem o défice da saúde?
Isto são só algumas pontas de muitos "icebergs" existentes e decorrentes do facto de, na Administração Pública, não se fazerem contas, a ponto de os fornecedores estranharem quando alguém lhes demonstra por a+b que nos estão a tentar enganar. Já me responderam: Mas ninguém faz essas contas!!!!