A propósito das recentes declarações do sr. José Saramago acerca da integração de Portugal numa Ibéria (eufemismo de Espanha), talvez fruto de um misto de megalomania e senilidade, quero deixar aqui a memória e a minha homenagem ao português mais português que eu conheço.
Se não conhecesse pessoalmente os intervenientes, não acreditaria na história que passo a contar.
Em meados da década de 1980 apareceu nos Serviços de Identificação de Macau um pedido da embaixada de Portugal em Pequim a pedir a confirmação de identidade de determinado indivíduo.
Um funcionário macaense dos Serviços de Identificação telefonou a um amigo de infância, inspector da P.J., dizendo: "Há aqui um ofício da embaixada em Pequim a pedir a confirmação da identidade de um chinês que diz que é filho do teu pai".
O inspector ficou passado. Ele, que já tinha cinquenta e tal anos, nunca tinha ouvido falar da simples hipótese de ter um irmão chinês. Resolveu investigar...
Pediu a um outro amigo de infância, que residia na China, que tentasse entrar em contacto com o tal chinês, residente e mecânico dos autocarros em Hainão. A resposta chegou dias depois: "O gajo é a cara do teu pai!".
Mal refeito da quase certeza de ter um irmão que desconhecia, reuniu com outro irmão e resolveram ir a Hainão conhecer o novo irmão. Então, souberam da história:
O pai tinha tido um caso com uma chinesa, nos anos 30. Como nessa época era impensável o casamento de um português com uma chinesa, como se pode ler em "A trança feiticeira" de Henrique Senna Fernandes, embora o português assumisse a paternidade do filho, a chinesa teve de fugir para a China e levou a criança e respectivos documentos.
Só que disse sempre ao filho que não era chinês, mas português, como atestavam os documentos. E o rapaz assumiu a nacionalidade portuguesa como ponto de honra, a ponto de se recusar a ir para a tropa em plena revolução cultural maoista, pois afirmava que não era chinês.
Como resultado, esteve preso e em trabalhos forçados durante vários anos. Podemos imaginar as condições prisionais da época e no contexto da revolução cultural. Não eram propriamente as de um hotel...
Só depois de acalmada a "febre" da revolução cultural maoista e do estabelecimento da embaixada de Portugal em Pequim, tentou fazer chegar os documentos à embaixada, para conseguir a comprovação da nacionalidade portuguesa, o que conseguiu, já com a ajuda dos irmãos, por meados dos anos 90.
Em 1999 tive o prazer de os receber na minha casa da Figueira da Foz. Ele vinha sozinho, porque a mulher estava à espera de autorização para se deslocar de Hainão, há 4 anos...
Qual de nós teria a coragem de enfrentar o que este homem enfrentou, só pelo orgulho de ser português?
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